desigualdade · família · homem-mulher · injustiça · machismo · opressão · sexismo · sociedade · violência · violência doméstica

Uma abordagem feminista dos maus tratos às mulheres II

 Anterior: Uma abordagem feminista dos maus tratos às mulheres I

2. A construção de visibilidade

No final dos anos 60 e princípio dos anos 70 o movimento das mulheres e, particularmente, o movimento feminista, veio chamar a atenção para a violência praticada sobre as mulheres, enquanto componente problemática do comportamento familiar dos nossos tempos. O largo espectro de vitimação da mulher, a sua condição na família e na sociedade começaram a ser questões discutidas por grupos de mulheres que, como que acidentalmente, descobriram que tinham em comum, entre outros problemas, a violência de que eram alvo nas suas próprias famílias. Este problema acidentalmente descoberto, veio permitir a muitas mulheres perceber que a violência não era um problema individual, antes pelo contrário, a violência que experimentavam nos seus lares era um problema frequente em inúmeras famílias.

A Sociologia Feminista, ao denunciar os abusos cometidos sobre as mulheres, considerando-os como uma espécie de instrumento usado pelo homem para assegurar o seu controlo e subordinação, veio também chamar a atenção para o carácter ambivalente da família moderna. Esta é considerada como uma «instituição anti-social», na medida em que privacidade implica, para a mulher, isolamento social e invisibilidade das situações de opressão. A partir de então, desenvolve-se toda uma literatura dedicada ao «síndroma da mulher batida» associada, em grande parte, à vitimologia feminista.

Mas os abusos vividos pelas mulheres contaram com uma outra frente de denúncia. Enquanto, nos Estados Unidos, este problema, cada vez mais, conquistava a atenção pública e científica, em Inglaterra, a publicação, em 1974, da obra de Erin Pizzey, Scream Quietly or the Neighbors Will Hear, deu «o alerta sobre a enorme violência a que podem estar sujeitas as mulheres no seu próprio lar». Esta obra fora, no entanto, precedida pela criação, em 1971, em Inglaterra, do primeiro abrigo ou refúgio criado para mulheres maltratadas, conhecido por Chiswick Women’s Aid. Com a sua fundação, Erin Pizzey pretendeu chamar a atenção da opinião pública britânica, para a necessidade de implementação de melhores serviços voltados para o acolhimento e orientação das mulheres que eram vítimas de violência na família. Esta reivindicação também foi acolhida em vários países, dando origem à criação de inúmeros abrigos ou refúgios.

A acção do Chiswick Women’s Aid teve um grande impacto nacional, de tal forma que, em 1975, foi criada a National Womens’s Aid Federation, a qual passou a liderar toda a organização e intervenção neste domínio. Para este movimento, a preocupação essencial era trazer para o domínio público o problema das mulheres vítimas de violência colocando-o, também, de forma séria e continuada, no centro da agenda política. Neste sentido, o movimento foi bem sucedido pois, na Grã-Bretanha não só a violência sobre as mulheres passou a ser alvo de legislação específica, como foram, ainda, criados novos refúgios, agências e inúmeros projectos de investigação sobre este problema social. O mesmo sucedeu nos Estados Unidos da América, com a diferença de que, neste país, foram as activistas, sobretudo as que estavam associadas aos movimentos de emancipação e de anti-violação das mulheres, que começaram primeiramente a discutir o problema da violência conjugal. Assim, «começar por focar o estatuto e os problemas das mulheres, tornou possível chamar a atenção para a problemática da violência enquanto problema social, e passar da consciencialização para a intervenção». Mas, à semelhança do que sucedeu na Grã-Bretanha com o Chiswick Womens Aid, foi apenas com a abertura do Women’s Advocates em Minnesota e do Transition House em Boston, entre 1973 e 1974, que o «movimento das mulheres batidas» foi publicamente reconhecido.

Rapidamente, neste país e entre as feministas, algumas fracções se identificaram com esta problemática. Para estas, a diferença de poder entre homem e mulher estava na origem da violência de que esta era v itima. Deste modo, a resposta à violência masculina residia no processo de empowerment of woman. Só desta forma a mulher maltratada se implicaria no processo de resolução do seu problema, avaliando as suas próprias alternativas. Esta foi também uma das mensagens transmitida aos profissionais que, progressivamente, se foram apropriando das agências e dos meios de apoio e de protecção das «mulheres batidas».

Depressa o movimento feminista avançou com outras exigências. Para além de uma intensa campanha de sensibilização pública para este problema, era necessário implementar políticas e medidas sociais de prevenção, assistência e intervenção na família, com vista à protecção dos membros mais vulneráveis. Havia, ainda, que avançar com uma adequação das leis vigentes às necessidades específicas de protecção da mulher na família. Desta forma, «nos anos 80, a problemática das mulheres maltratadas alcançara um estatuto comparável ao do child abuse em 1968: as leis começaram a ser escritas e reescritas, assim como foram implementados inúmeros programas de prevenção e tratamento».

Por último, importa salientar que a partir do momento em que foi reconhecida como um grave problema social, a violência sobre as mulheres no contexto das relações íntimas, passou a ser descrita como uma «síndroma», à semelhança do que sucedeu com o abuso de crianças. Independentemente do facto de este poder ser interpretado como um dilema para a psiquiatria clínica, como um complexo conjunto de sintomas de violência ou como um problema médico, é inegável que a «síndroma da mulher batida» veio permitir a identificação, diagnóstico e intervenção sistemática neste domínio.

Isabel Dias

Lígia Amâncio e outros (org.)

O longo caminho das mulheres

Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2007

Excertos adaptados

Uma opinião sobre “Uma abordagem feminista dos maus tratos às mulheres II

  1. estou no primeiro ano de serviço social já estou no pré projeto de monografia e o meu tema escolhido é violência contra a mulher e gostaria de saber um pouco mais sobre este unverso paralelo e posentagem de mulheres que sofrem, as que tem coragem de denuciar e as que tem medo de encarar a dura realidade.
    Essas mulheres que sofrem precisam de apoio e se descobrir os seus potenciais pra sair da situação com dignidade e não olhar para trás, e descobri que ela é mais do isso que elas tem visto no espelho da vida!!!

Deixe um comentário